Sunday, September 28, 2008

De tão pequena que sou


Porque é que o Mundo não me engole de tão pequena que sou?
Porque é que prefere divertir-se a ver-me patinar, nadar atrapalhadamente contra as marés?
Porque é que este Mundo não me engole de vez e apaga a memória do meu nome?
E se eu nunca tivesse nascido? Quem mal teria acontecido? Nenhum!
E se eu nunca tivesse dado um suspiro, aberto os olhos, estendido a mão?

Mas porque é que a Terra não se abre para me acolher no seu útero e eliminar desta superfície em que o sacrifício e a dor ainda são constantes?

Há dias, ou semanas, nem sei se não serão meses, que não consigo mesmo ultrapassar a tua falta e lá vem este estúpido desejo de te telefonar e de ouvir a tua voz. Apetece-me bater em mim própria! Raios! Como posso esquecer que nunca mais te vou ouvir?! Como posso andar tão atarefada, atrapalhada e estupidificada que perca noção da mais terrível certeza, a de que já cá não estás. Sim, bem posso ficar a chorar, na cama, no carro, onde me apetecer… porque os teus braços não vão nunca mais me envolver, nem o teu coração bater de maneira a cercar o meu.

Queria tanto falar contigo, mãe!

Porque é que não se abre o céu e me engole apagando a memória de meu nome?

Wednesday, September 3, 2008

O gesto de uma outra filha


A minha pele gelou quando vi o gesto daquela filha. O sangue que corria nas minhas veias tornou-se espesso e gelado e fez surgir uma lancinante dor de cabeça que me desorientou como pessoa. Só na manhã seguinte me reorganizei e só então consegui chorar. Já aquele gesto me tinha tocado profundamente demais e relembrado uma dor nunca esquecida.
Mas enquanto lá estava, parcialmente toldada pela pessoa que fui, pensava qual a justiça deste Mundo. Qual a justiça de ter resgatado alguém e não ter o meu “alguém” de volta? Foi como se fosse pequenina, como a minha menina que, quando se porta bem, tem direito ao seu prémio de volta. Pois, mas a ti não deixaram voltar… Afinal, portei-me bem, trouxe aquela mãe de volta mas a minha não regressa. E foi nesse turbilhão de pensamentos desconexos e sem sentido que me apercebi que por mais mães, pais, filhos e avós que possa trazer de volta, cuidar e recuperar, TU não voltarás. Já nem sei como pude falar com aquela filha, sem saber sequer no que estava a pensar. Só queria dizer-lhe que aproveitasse, que dissesse o que tinha a dizer sem esperar por um momento mais especial ou um dia em particular. Todos os dias foram especiais enquanto pude ter-te, mãe.
E foi então que ela fez aquele gesto. Aquele afagar do cabelo da mãe, aquela carícia. Aquele gesto para mim foi mais que um beijo. Será inato? Será um gesto filial? Será que é daquela forma que todas as filhas pretendem mostrar o desespero, amor e necessidade de uma mãe? Será que percebeste que, quando eu era a filha e tu a mãe e, te afaguei o cabelo te queria dizer o quanto te amava, o quanto precisava de ti, o quanto não imaginava a minha vida sem ti, nem mesmo que fosse por uma só noite no hospital? Será que percebeste que faria tudo para não te ter deixado ali, mãe? Perdoas-me? Será que percebeste que não o pretendia como despedida? Será que entendeste que nunca imaginei que te fosse perder assim? Será que guardaste o significado do que fiz, da carícia de todo um dia de pé ao teu lado, do segurar da tua mão, do acariciar do teu cabelo, do olhar prolongado nos teus olhos, sempre lindos e quentes apesar do sofrimento? Será, mãe, que nos teus últimos momentos me recordaste como crescida ou como a menina no teu colo? Ai, mãe, sou crescida mas não quero, quero voltar a ser a tua menina, quero voltar ao cheiro do teu colo, ao calor que sentia quando estavas por perto. Quem me dera também ter uma oportunidade, como aquela filha de te afagar o cabelo e abraçar-te ainda quente e não ter já a recordação do teu corpo frio e sem cheiro como naquela noite e naquele dia. Quem me dera poder ver-te novamente sorrir como avó e, quem sabe até, como mãe. Quem me dera que não te recordasse tão sofrida e eu tão estúpida. Perdoa-me, mãe… perdoa, por favor.