Aos 85 anos que viveste como senhor de ti e de todos nós. Foste em paz, senti-te ir. Beijo meu pai duas vezes, da tua netinha.
Friday, August 26, 2011
Friday, August 5, 2011
Ser nada
Ser nada além disto, ser nada. Ser apenas isto que se vê. Ser um ser, ser ninguém, ser nada para alguém. Não ser o mundo de ninguém, chegar a não ser sequer um ser. Fui o teu mundo tanto tempo, até te partilhar com o meu pequeno mundo-menina e agora não sou nada além disto.
Não me basta ser mãe, já sei. Não me basta fazer a diferença para alguém, para vidas anónimas em trajectos cruzados comigo. Não consigo fazer a diferença por mim nem há quem o faça. Não me basta ser o que restou de mim. Já tentei, oh se tentei. Já tentei ,inclusivé, ser feliz, depois fingir que era feliz para te fazer feliz e depois e depois e depois... blá, blá, blá, nunca fui feliz.
Insatisfeita, iludida com a minha própria indiferença, não sou quem fui, não cheguei a ser quem quis, falhei por completo o projecto de mim. Tento respirar compassadamente iludindo todos, fazendo-os crer que estou viva. Tenho de manter a farsa até ao fim. Não posso perder o controlo, tenho de proteger o meu tesouro.
E quando o mais desejado é este quarto escuro, onde passo anos afim, nada além disto resta para dizer. Quero ficar no escuro, já faz parte de mim. Quero sonhar e sonho até bastante, sonho com a vida, sonho com os sonhos, sonho com pessoas, luxúria, desejos, ternura e alegrias. Sonho com o que julgava que merecia. Sonho contigo também. Ou será que és tu que estás a sonhar comigo? Sonho tanto contigo, sonho que estás casualmente comigo, como sempre estiveste. Ainda aí estás, mãe, ou já estás farta de mim?
Vou ficar neste quarto escuro, janela fechada, silêncio. Deitar-me e respirar suavamente, desejar que o dia tarde a chegar. Estou bem assim, a sentir cada segundo passar, tic-tac tic-tac. Menos 2 tics e menos 2 tacs até ao fim. E, como sou horrivelmente egoísta, gostaria de sentir o corpinho de 7 anos contra mim e acertar as minhas inspirações com as dela, tic-tac até ao fim.
É minha, mas não me pertence a mim, deixo-a livre e fico assim (tic-tac) sozinha (tic-tac) neste quarto escuro (tic-tac) esperando a vida (tic-tac) ou até a morte, enfim.
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